Tenho refletido sobre o primeiro passo de Alcoólicos Anônimos: “Admitimos que éramos impotentes perante o álcool e que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”, e notei que frequentemente, em depoimentos em reuniões, ouço falar sobre ele. Muitos fazem questão de lembrar da importância da segunda sentença do enunciado, que fala sobre a perda do domínio sobre a vida. Ainda não estudei porque Bill W. e Dr. Bob usaram o verbo no particípio passado (“we were”, ou como foi traduzido para o português, “nós éramos” e “had become”, ou “tínhamos”) ao escrever o passo. No meu entendimento, o alcoolista é impotentes perante o álcool. Ponto. E, por extensão, perde o domínio sobre a vida. E é aí que ocorre umas interpretações no mínimo interessante do passo.
Muitos em seus depoimentos admitem sua impotência perante o álcool, mas logo depois, falam que, graças ao A.A., ao programa de Doze Passos, aos companheiros, ao Poder Superior, enfim, dizem que finalmente agora recuperaram o domínio sobre suas vidas. No meu entendimento, a admissão completa do Primeiro Passo implica admitir a perda permanente do domínio sobre a própria vida. Quem tem a coragem de usar literalmente no passado a expressão “tínhamos perdido” também pode se perder no raciocínio e usar também no passado a expressão “éramos impotentes” e, por consequência, passar a crer que não é mais impotente.
Desculpem-me quem pensa diferente, mas no meu entendimento, aceitar o Primeiro Passo é admitir a “derrota completa”, como diz no texto explicativo do passo no livro “Os Doze Passos e as Doze Tradições”. “Perdemos o domínio”, é o que diz. Não mais o teremos. Se ousarmos acender a vela novamente, seja a do beber, seja a do querer gerenciar sozinhos nossas vidas, ela vai começar a queimar de onde parou. Mas quando dá-se por conta disso, vem a pergunta fatal: quem então vai conduzir minha vida? De quem ou do quê sou dependente para viver?
A resposta está logo abaixo na lista dos passos. O segundo diz “Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia nos devolver à sanidade” e o terceiro, que “Decidimos entregar nossa vida e nossa vontade aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos”. Aí estava a resposta. Deus é quem deveria estar no comando, caso se aceite, caso se decida dar mais dois passos nesse caminho em direção à sanidade.
João Henrique Machado Jornalista, consultor em Dependência Química Todos os textos deste site são livres para reprodução desde que citada a fonte e autoria.
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