Nunca é agradável falar ou escrever sobre recaída. Acredito que também não é tão agradável de ler. Mas é importante refletir sobre essa realidade quando se pensa em alcoolismo ou dependência química de outras drogas. Na verdade, acredito que só quem teve uma experiência de recair sabe o quão devastador é o processo que se segue, começando com a ressaca moral, a culpa, o desânimo corrosivo… “A recaída faz parte da doença, não da recuperação!” Essa é a frase mais ouvida em um momento desses. Nela está implícito que, por mais sinceridade que se tenha, por mais reuniões de grupos de mútua ajuda que se frequente, por mais espiritualidade que se busque… se ocorreu uma recaída quer dizer que ou não se estava em recuperação ou esta havia alguma falha no processo de sobriedade.
Há uma frase de Caio Fernando Abreu que diz: “A água inteira do mar não pode afundar um navio, a menos que ela invada o seu interior”. Dessa forma, podemos pensar que uma recuperação sólida é quando o casco desse navio está resistente, firme, indúctil. Para isso, é preciso tomar cuidado com certas realidades, prestar atenção no que pode fragilizar a recuperação. Segue, então, uma lista de alguns sintomas que podem levar um alcoolista/adicto à recaída:
1. Desonestidade
Geralmente começa com mentiras nas pequenas coisas em casa ou mesmo com desconhecidos. Depois surgem mentiras maiores, como dar desculpas para não fazer o que deve ou para fazer o que não deve. E termina com desonestidade consigo mesmo. Lembre do princípio espiritual do Primeiro Passo de Alcoólicos Anônimos (A.A.), que é a Honestidade.
2. Impaciência
Cuide muito para não exigir demais dos outros nem de si. “Vá com calma!”. Isso é o básico da literatura básica de A.A.. Traçar metas que não se pode alcançar com esforço normal e/ou no tempo considerado normal é danoso para qualquer um, ainda mais para dependentes químicos. Lembre que tem coisas simples que você consegue resolver e tem coisas que é preciso deixar para depois. E, por favor, você não deve concentrar-se só em problemas que ainda não estão completamente resolvidos. Tudo tem seu tempo.
3. Intolerância
Procure nunca discutir ou disputar pequenos e ridículos pontos de vista, mesmo quando você é o dono da verdade. Deixe para lá! Obtenha respostas para si e não para os outros. As pessoas não vão mudar a maneira de vida porque mudou a sua. Deixe que pensem o que quiserem e faça as coisas acontecerem na sua vida, não na dos outros. É outro ‘básico do básico’ de A.A.: “viva e deixe viver!”.
4. Indisciplina
Descuidar de horários e compromissos é tão perigoso quanto fixar horários e compromissos rigidamente. Lembre-se de que nada de grandioso na vida se consegue sem algum tipo de sacrifício. É necessário estabelecer prioridades justas e honestas consigo mesmo e com os outros. Tomar seus medicamentos corretamente, arrumar a cama, estabelecer um plano de estudo ou trabalho… tudo isso é necessário. Aqui cabem dois princípios: “primeiro as primeiras coisas!” e “a disciplina é a base da recuperação”.
5. Depressão
Medos e desespero inexplicáveis e irracionais devem ter suas causas identificadas e combatidas. Procure falar no seu grupo de mutua ajuda ou busque orientação médica ou psicológica. Olhar a vida também pelo lado positivo e viver sem aquele aperto no peito é necessário. Acredite em si, aposte em si. Dá certo se você fizer o certo.
6. Frustração
O alcoolista ou dependente químico de outras drogas é especialista em alimentar desencanto com pessoas e coisas que não estão sendo favoráveis com seu modo de viver. Lembre-se que nem tudo é exatamente como se quer. “Felicidade não é ter o que se quer, mas amar o que se tem”. Mas não se limite a aceitar jargões. Fale com alguém, desabafe, procure ajuda. Sempre haverá uma porta aberta para você. E, muito importante, não crie expectativas maiores do que a realidade. E saber o que é a realidade é complicado. Por isso precisa falar com outras pessoas sobre seus anseios.
7. Euforia
Grande parte das recaídas ocorre quando as coisas parecem estar melhor do que poderiam estar. É aí que se buscava a próxima dose… É fácil para um dependente achar que é possível ficar melhor do que já está. Não que momentos plenos sejam proibidos, ao contrário. Mas é preciso cuidado quando tudo vai bem demais. Cultive a moderação, mantenha seu equilíbrio emocional. “Viva apenas um dia de cada vez!”
8. Exaustão
Descanse! Permita-se relaxar! O alcoolista está acostumado com doses gigantescas de calorias vindas da bebida e descansar não faz parte de sua rotina. Já o dependente químico de outras drogas está exausto ou, mesmo em recuperação há algum tempo, geralmente não tem entendimento do quanto precisa descansar. Discipline horários de trabalho e lazer. Não se canse demais, proteja sua saúde física e mental. A exaustão é uma das principais causas de recaídas. Quando você descansa, sente-se bem e, então, tem mais chances de pensar bem!
9. Autopiedade
Mesmo depois de muito tempo de sobriedade, alguns alcoolistas e dependentes de outras drogas encontram alívio afundando-se em lágrimas que juram e realmente acreditam que sejam necessárias. É mais fácil chorar do que ter fé, esperança ou agir para resolver a situação. É um estranho talento de converter um pequeno desgosto em uma tragédia pessoal. São desde rancores e abandonos da infância até desprazeres juvenis que vêm à tona com um “coitado de mim!” “por que só comigo!”. Esses sentimentos frequentemente são resolvidos (só uma dica) quando são ditos em uma sala de grupo de apoio e todos cairão na gargalhada… e você também vai rir de muitos outros. Outra solução é fazer uma espécie de contabilidade, lembrando quantos problemas e quantas bênçãos você tem recebido depois de ter entrado em recuperação.
10. Pretensão
“Estou curado, não tenho mais medo de álcool ou outras drogas. Qualquer um pode recair menos eu”. Frequentar lugares da ativa, reencontrar pessoas que não o ajudarão na recuperação e voltar a hábitos que você sabe que não são saudáveis é tolice. Vale o mesmo para quem acha que já sabe tudo sobre alcoolismo ou drogadição. Muitas recaídas ocorrem pelo abandono às precauções necessárias e mesmo à frequência ao grupo de apoio. Mesmo que você ache que não precisa ir a um grupo, lembre que a troca de experiências fortalece a vontade de melhorar, relembra fracassos e mostra como evitá-los. Pretensão é um diagnóstico devastador. Lembre que a recaída custa caro demais!
João Henrique Machado
Jornalista, consultor em Dependência Química
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