Quando escrevi o título acima, inicialmente havia colocado “precisamos” no lugar de “deveríamos”. Aí resolvi mudá-lo, pois bem sei como alcoólicos e dependentes químicos de outras drogas, por natureza da doença, geralmente são reticentes a imposições. Então, como ocorre na irmandade de Alcoólicos Anônimos (A.A.) e outras coirmãs sabiamente o fazem, passo a escrever o texto a seguir meramente como sugestão, embora eu tenha certeza da imperiosidade de levarmos em conta essas cinco habilidades mentais e sociais para vivermos em paz conosco e com nossos próximos.
Sem delongas, os cinco pontos são: autoconsciência, autogestão, empatia, habilidade social e boa capacidade de tomada de decisões. É claro que não vou conseguir aprofundar todos esses conceitos em um curto texto (prometo fazê-lo pontualmente em próximos). Esses cinco pontos não são novos nem escolhidos ao acaso. Fazem parte de um programa chamado “Aprendizagem Social e Emocional”. Coisa de uma turma de pensadores do pós-modernismo que vivemos como Daniel Goleman e seus conceitos de inteligência emocional e Fritjof Capra, brilhante com sua teoria sistêmica que consegue enredar em uma mesma teia desde a filosofia taoista até os mais indecifráveis códigos da física quântica.
Bom, mas vamos lá com as tais competências emocionais que tanto poderiam nos ajudar no nosso desenvolvimento e caminhada em recuperação.
1. Autoconsciência
De certo modo simplista, autoconsciência nada mais é do que a habilidade de sabermos como nos sentimos e por quê. Só que isso dá um trabalho danado! E é aí que acredito que a presença forte de um(a) padrinho/madrinha (no caso de AA ou NA) ou de um conselheiro, talvez um terapeuta, faça muita diferença. Um caminho possível para buscar essa consciência mais profunda de si mesmo é praticar com constância e firmeza os primeiro, quarto e décimo passos de AA.
Mas, como disse, os caminhos são diversos e ficam mais fáceis com a ajuda de um interlocutor capaz. Caso você tenha um consultor ou terapeuta, peça ajuda a ele sobre isso especificamente. Se sua busca é apoiada por um amigo ou mesmo solitária, lembre-se que não é questão de responder à filosófica pergunta "quem sou eu?", mas sim de lançar um olhar mais objetivo e consciente sobre "o que, ou melhor, quem estou sendo?".
2. Autogestão
Requer que saibamos o que fazer com esses sentimentos que descobrimos no ponto anterior. E talvez essa seja a habilidade mais difícil de ser adquirida pois solicita, ao contrário do que possamos pensar, que nos entreguemos. Pois se tivermos feito bem o primeiro passo de A.A. ("Admitimos que somos impotentes ao álcool e que que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas"), sabemos que nossas vidas são ingovernáveis por nossas próprias forças. E é aí que entra o Poder Superior e os segundo (Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos pudesse nos devolver à sanidade") e terceiro ("Decidimos entregar nossa vida e nossa vontade nas mãos de um Poder Superior a nós mesmos") passos, além do décimo primeiro que pede que vivamos “rogando apenas o conhecimento da vontade do Poder Superior em relação a nós e forças para realizarmos essa vontade”.
Na verdade, segundo os princípios acima, a autogestão de um dependente químico depende de entrega, quebra de orgulho, admissão, honestidade e, principalmente espiritualidade. Embora muitas teorias possam dizer que um direcionamento racional baste, na minha opinião, ser racional é admitir a existência de um Poder Superior (seja ele qual for para cada pessoa).
3. Empatia
Como se sabe, ser empático(a) é procurar saber o que os outros sentem e pensam, mas, mais do que isso: tentar compreender seus pontos de vista, muitas vezes colocando-nos em seus lugares. Ah… essa, convenhamos, é uma tarefa hercúlea para a maioria dos dependentes químicos. Ainda assim, admitamos, é a que encontra tarefas a serem realizadas na maioria dos 12 Passos de AA. Não é difícil perceber isso se observarmos/estudarmos os oitavo ("Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e dispusemo-nos a reparar os danos a elas causados") e nono ("Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem") passos, por exemplo.
Desenvolver a empatia requer mais do que humildade para reconhecer que há pontos de vista diferentes. Solicita-nos compaixão para - como refere a etimologia da palavra - “sofrermos juntos com o outro”. Tudo isso admitindo que esse outro tenha valores, sistema de crença e desejos diferentes dos nossos.
4. Habilidade social
Até pode ser confundida com a prática da empatia, mas é coisa bem diferente. Desenvolver habilidade social exige ação! Além, é claro, de se ter bom ânimo e compreensão das habilidades anteriores. Habilidade social grita por atitude. É necessário caminhar, trilhar. É preciso trocar mensagens e telefonemas com frequência, sair junto para um café ou reunião, fazer algumas viagens, lembrar de várias datas… e tudo isso relacionando-se com várias pessoas.
Mas o mais difícil disso tudo (e abri um novo parágrafo justamente para destacar isso) é que precisamos sorrir. Voluntária e sinceramente! Chorar também, claro, mas nisso qualquer dependente químico, convenhamos, é craque.
5. Boa capacidade para tomada de decisões
Não é aquela eterna busca pelo caminho certo que não existe. Acredito que tenha mais a ver com o melhor caminho. Acho que é o ponto crucial de todas as cinco competências listadas aqui. De nada adianta conhecer todo o programa de A.A., frequentar reuniões, etc. se falharmos na hora de tomar as decisões, seja elas quais forem. Afinal, viver é tomar decisões a todo o instante.
Uma coisa é certa: precisamos de bom humor. Sou partidário da prática de rir de si mesmo. O bom humor acalma e, caso o riso seja em função de alguma falha, a diminuição da ansiedade que ele promove ajuda a pensarmos melhor na reparação.
João Henrique Machado
Jornalista, consultor em Dependência Química
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