Um dos princípios espirituais implícitos nos 12 Passos de Alcoólicos Anônimos é a Boa Vontade. Realmente, não há como um doente como um claustrofóbico, por exemplo, conseguir superar seu medo usando a força de vontade. Deus sabe o quanto alcoolistas e dependentes químicos de outras drogas tentam frear a obsessão pelas substâncias. Prometem para si mesmos, para familiares, para Deus até. Sofrem dezenas, centenas de terríveis ressacas morais. Chegam, muitos, a ficar lúcidos o suficiente para perceber pelo menos as perdas físicas, emocionais, materiais. Mas não foi com força de vontade que conseguiram estacionar suas dependências químicas. O que realmente funcionou e tem funcionado a cada dia, a cada hora, para os que realmente empregam o programa é a boa vontade.
A boa vontade age nas mentes e almas das pessoas em recuperação como um bálsamo encorajando a seguir os passos sugeridos, a abrir a caixa de ferramentas e fazer uso, dependendo da circunstância, da Honestidade, da Humildade, da Mente Aberta, da Aceitação... às vezes, um pouco de cada, em outras, uma em especial. E a boa vontade é a chave dessa maleta divina. No entanto, acredito que a força de vontade é necessária algumas vezes. Bill W., cofundador de A.A., em artigo de maio de 1962, já alegava isso quando escreveu que para levantar da cama de madrugada para fazer um 12º Passo ("Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades") e ir até um alcoólico que necessita de ajuda é sim preciso usar a força de vontade. Em muitos casos de que compartilho, ainda há um fortíssimo sentimento de culpa.
O despertar espiritual é imprescindível para a libertação dessa culpa opressora e a descoberta de que a paz é possível. Sim, mas há dias em que deparam com o chicote nas mãos. E muitas vezes não sabem que quando isso ocorre, o primeiro mantra que devem deixar de lado é aquele que um velho consultor conhecido meu não cansa de repetir: “a disciplina é a base da recuperação”. Não é bem vontade de beber ou de usar a droga, mas o desleixo passa a tomar conta. Em todos os sentidos. Começa com as pequenas coisas: pular uma refeição, dormir um pouco mais tarde, deixar uma roupa para lavar no dia seguinte, não fazer a relação de tarefas do dia, esquecer de comprar ração para o gato... E um leve desânimo começa a pesar nos ombros. E vem a lembrança do que deixam para trás. E começam a se comparar com velhos amigos não-alcoólicos/não-dependentes químicos que estão em situação financeira e/ou familiar melhor à sua. E pensam em levantar o chicote. É nessas horas que, entre uma angústia e outra, devem apertar o botão vermelho para acionar a sirene da força de vontade.
O importante é ter certeza de que hoje deu certo, graças a Deus. Vamos deitar em paz, embora mais tarde, depois de ter de cumprir várias tarefas deixadas para trás nos últimos dois ou três dias. Não queremos mais se sentir assim, embora lembremos que é só por hoje. Agora é hora de renovar a intenção de lembrar da disciplina nas próximas 24 horas!
João Henrique Machado Jornalista, consultor em Dependência Química Todos os textos deste site são livres para reprodução desde que citada a fonte e autoria.
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